O caso <em>PlameGate</em>

André Levy
A Administração Bush atingiu um recorde de impopularidade. A ocupação infindável do Iraque contrastou com a inabilidade de resposta doméstica às cheias resultantes do furacão Katrina, gerando um descontentamento crescente, agravado pelas restantes políticas anti-sociais, como os ataques ao sistema de Segurança Social. Ao mesmo tempo que falha nas suas várias frentes, o Partido Republicano exibe feridas nas suas altas esferas: o congressista Tom DeLay, que assumia a liderança da maioria republicana na Casa de Representantes, foi forçado a demitir-se após ter sido acusado judicialmente de violação da lei eleitoral em 2002 no Texas e por branqueamento de dinheiro.
Mas o pior escândalo poderá estar para vir, podendo derrubar Karl Rove, o consultor político que condiziu Bush ao posto de governador do Texas e à presidência, e que faz parte do círculo restrito que comanda a estratégia presidencial. O caso PlameGate inicia-se em 2003, quando o objectivo próximo da Casa Branca era reunir elementos para acusar Saddam Hussein de desenvolver armas de destruição massiva (ADM). O diplomata de carreira, Joseph Wilson1, foi enviado pela CIA ao Niger para investigar alegações do vice-presidente Dick Cheney segundo as quais este país havia vendido urânio ao Iraque no fim dos anos 90. Após visita ao Niger e inspecção das instalações locais, em Fevereiro de 2002, Wilson concluiu que tal venda não poderia ter tido lugar. Apesar disso, o relatório britânico de Setembro fez referência à venda de urânio, e Bush falou nisso no seu discurso do Estado da Nação em 2003. Como os factos não condiziam com a ficção, ignoram-se os factos.
Wilson, porém, não ficou calado e num artigo de opinião, em Julho desse ano, revelou as suas investigações e acusou Bush de exagerar a ameaça iraquiana. Tal não terá sido recebido muito bem pelo círculo intímo da Casa Branca. Nesse mesmo mês, o colunista Robert Novak escreve na revista Newsweek: «Wilson nunca trabalhou para a CIA, mas a sua esposa, Valerie Place, é uma operativa da agência em [ADM]. Duas figuras oficiais seniores da administração disseram-me que a esposa de Wilson sugeriu enviá-lo ao Níger.» Numa óbvia manobra de pressão ou vingança sobre Wilson, elementos da administração Bush filtraram para a imprensa a identidade de um agente secreto, cometendo um crime, ameaçando a segurança nacional que tanto apregoavam defender, e anulando a operacionalidade de um agente especialista em ADM, uma área aparentemente prioritária.

Descrédito da Casa Branca

Em Dezembro formou-se uma comissão independente de investigação, liderada pelo procurador especial Patrick J. Fitzgerald, cujas conclusões serão tornadas públicas no final de Outubro. As primeiras reações de Bush foram claras: qualquer pessoa envolvida no caso seria despedida. Talvez pensasse que o caso não daria em nada. Mas à medida que a investigação prossegiu e se amontoavam evidências contra Karl Rove, o tom foi amoleçendo até se instalar o silêncio. Uma sondagem da ABC deste Julho conclui que 75% dos inquiridos acham que Rove deve perder o seu posto se for provado que deu a informação, com respostas maioritárias tanto de democratas como de republicanos.
A investigação tem sido pontuada por conflitos entre a comissão e jornalistas, mais proeminentemente Matt Cooper da revista Time e Judith Miller do NYTimes, que alegaram estar a proteger a confidencialidade das suas fontes. Cooper acabou por testemunhar indicando Rove como a fonte da sua informação. Miller chegou a cumprir quase três meses de prisão por se recusar a testemunhar. Esta é a jornalista cujas reportagens durante o pré guerra contra o Iraque eram alimentadas por Ahmed Chalabi, o então exilado iraquiano que forneceu informações falsas também à administração Bush para favorecer o cenário de guerra. (O Times foi forçado a reconheçer os numerosos erros num editorial em Maio de 2004.) Após ter sido autorizada pela sua fonte, Lewis «Scooter» Libby, Miller testemunhou sobre conversas com Libby onde este terá também indicado o nome de Plame. Libby é nem mais que o chefe de gabinete de Dick Cheney e um dos mais proeminentes ideólogos «neo-cons».
Esta fuga de informação para vários jornalistas demostra claramente que a prioridade da Casa Branca sempre foi o jogo político para atingir o objectivo concreto de dominar o Iraque, na ausência de legitimidade e causas objectivas para o fazer. A ser levada às últimas consequências esta investigação poderá provocar a demissão de dois maestros da política de Bush e assestar um golpe valente na credibilidade da Casa Branca.
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(1) Ver página de Wilson em www.politicsoftruth.com


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